FILOSOFIA E CIÊNCIAS NATURAIS
O termo "positivismo", derivado do latim positum ("posto", "o que está posto diante"), designa o que se observa ou experimenta e refere-se à filosofia baseada na experiência como a única verdadeira fonte de saber real; nessa medida, o positivismo é considerado uma nova etapa do desenvolvimento do empirismo.
O positivismo fundamenta-se na ciência e na organização técnica e industrial da sociedade moderna, e considera a comprovação pelo método científico o único caminho válido para se atingir o conhecimento.
Assim, postulados como os da metafísica, que tratam de entidades como Deus, não teriam nenhum valor para o conhecimento, visto que não podem ser cientifica mente comprovados.
Essa corrente de pensamento foi fundada na França por Augusto Comte, mas o termo já havia sido empregado pelos socialistas utópicos em 1830. Segundo os positivistas, a filosofia deve limitar-se exclusivamente à organização do conhecimento científico, defendendo que o conhecimento da realidade reside necessariamente na experiência. Entretanto, algumas derivações do positivismo admitem também a validade da lógica e da matemática enquanto conhecimentos de caráter analítico, independentes da experiência.
O positivismo desenvolveu-se na trilha do empirismo, aproveitando os surpreendentes resultados dos avanços das ciências experimentais, sobretudo da química e da biologia. O surgimento dos primeiros argumentos evolucionistas e o desenvolvimento das ciências sociais, baseadas na observação dos fatos, conduziram à classificação de determinadas estruturas, que antes eram consideradas naturais, como circunstâncias culturais. Ou seja, passa-se a tentar explicar todos os componentes da realidade cultural a partir de um método próprio das ciências naturais. Temos assim o domínio da chamada relação de causalidade.
A relação de causalidade liga um efeito à sua causa, e, segundo as tendências empírico-científicas, “tudo o que acontece tem uma causa”. Assim, o cientista, ao aplicar tal regra, espera a repetição do fenômeno acontecido, baseando-se em experiências passadas.
Em termos de ciências naturais, essa relação pode ser comprovada; em termos de ciências sociais, ou seja, ao nível do comportamento humano, parece que a relação de causalidade não encontra eco, uma vez que quando se estuda o ser humano nem sempre as mesmas causas geram os mesmos efeitos. Por esse motivo, os positivistas receberam contundentes críticas, que foram rebatidas pela alegação de que esse método de generalização estaria somente a serviço do conhecimento científico, não podendo ser levado às últimas conseqüências.
Dentro do positivismo podemos distinguir três diretrizes básicas: a científica, a psicológica e a sociológica.
O POSITIVISMO DE ORIENTAÇÃO CIENTÍFICA preocupa-se fundamentalmente com o mundo físico e dá especial importância à divisão das ciências. O representante mais destacado dessa linha é o próprio Comte. O POSITIVISMO DE ORIENTAÇÃO PSICOLÓGICA considera que o homem tem uma natureza específica, que o faz único, diferente dos demais seres. Nessa linha, podemos destacar Stuart Mill. Finalmente, o POSITIVISMO DE ORIENTAÇÃO SOCIOLÓGICA ocupa-se da interação social dos homens, vivendo em sociedade e como produto dela; nesse campo, salientou-se o sociólogo francês Émile Durkheim.
JOHN STUART MILL
Filósofo e economista inglês, Stuart Mill (180673) pode ser considerado o pensador liberal de maior destaque do século XIX. É representante do positivismo psicológico por negar a existência de uma verdade universal e absoluta e afirmar que somente poderíamos conhecer o aqui e agora. Desse modo, considerou que a base do conhecimento é a percepção do momento, que se obtém por meio da vivência.
Filiado à corrente utilitarista, defendeu a concepção de que o bem e o mal seriam relativos ao momento experimentado pelo homem, tornando a utilidade o principal critério para definição do comportamento a ser seguido pelo indivíduo. Para Stuart Mill, a liberdade consistiria no direito de escolher a sua forma de vida, devendo para tal superar obstáculos impostos tanto pelo Estado quanto pela opinião coletiva.
No campo da lógica, trabalhou com o princípio da indução, também chamado de teoria dos passos do pensamento. Esse processo determina que, de acordo com a ocorrência de fenômenos constantes na natureza, é possível generalizar a experiência, ou seja, se um dado acontecimento ocorreu em algumas situações, ele deverá ocorrer novamente em casos semelhantes.
AUGUTO COMTE
A filosofia positiva é o verdadeiro estado definitivo da inteligência J humana, aquele para o qual ela sempre, e cada vez mais, tendeu. COMTE (1798-1857) nasceu em Montpellier, na França, numa modesta família católica e monarquista. Estudou na Escola Politécnica, mas foi expulso por tomar parte em um motim de alunos, num momento de mudanças políticas pós-Napoleão. Retomou a Montpellier, onde começou a estudar medicina, mas logo desistiu. Voltou a Paris em 1817, ganhando a vida como professor e escrevendo para jornais. De 1818 a 1824, foi discípulo e secretário de Saint-Simon, socialista utópico de quem posteriormente se tomou opositor.
Em 1826, deu início a um curso público de filosofia positivista, que interrompeu, abalado emocionalmente pelo fim do casamento, e retomou em 1829, mantendo-o até 1842. Casou-se novamente em 1844, mas a morte da esposa dois anos depois o fez mergulhar no misticismo.
Nos últimos anos de sua vida, após a morte de sua segunda esposa, Augusto Comte fundou a religião positiva, que direcionava toda a divindade para a própria humanidade, o seu objeto principal. Essa religião, que chegou até mesmo a estabelecer um calendário de santos, possuía cultos e cerimônias próprios, dos quais participavam, entre outros nomes de destaque na história, Adam Smith e Frederico, o Grande. O dado mais curioso era que o próprio Comte se apresentava como papa dessa religião. As sociedades positivistas difundiram-se, e foram construídos templos por todo o mundo, inclusive no Brasil, onde ainda hoje têm adeptos.
A LEI DOS TRÊS ESTADOS
A filosofia de Comte representa uma tomada de consciência a respeito do papel da reflexão filosófica no momento da divisão dos diversos ramos do conhecimento, que tivera o seu início no século XVII. O positivismo vê o papel da filosofia como o de uma espécie de gerenciadora do conhecimento, encarregada de classificar e ordenar as ciências.
Comte classificou as ciências segundo o seu objeto, abandonando a classificação subjetiva, feita de acordo com as faculdades, introduzida por Bacon e divulgada pela Enciclopédia.
O objeto, por sua vez, foi ordenado segundo graus de generalidade decrescente. Assim, a matemática tomou-se a primeira das ciências positivas, seguida pela astronomia, a física, a química, a biologia e a sociologia, com objetos progressivamente menos gerais e mais complexos.
Graças a essa nova classificação, que destacou a sociologia como ciência que tem por objeto a interação social, Comte é considerado, além de fundador do positivismo, pai da sociologia. A relevância dessa idéia está em apontar a possibilidade de se estender para o conhecimento científico as questões de natureza social.
Assim, além da sociologia, a história, a geografia e outras áreas das hoje chamadas ciências humanas tiveram importantes progressos. Entretanto, apesar desses avanços, as questões em torno da objetividade e da subjetividade colocaram em xeque inúmeras pesquisas desenvolvidas nesse campo do conhecimento. Extensas polêmicas se travaram entre aqueles que advogavam a possibilidade de total objetividade do pesquisador em seu ofício e aqueles que entendiam ser inevitável a interferência de componentes subjetivos na interpretação dos dados. Essas polêmicas, embora com menor intensidade, ainda mobilizam historiadores, geógrafos, antropólogos e economistas, além de outros pensadores.
A partir da visão do positivismo, as sociedades humanas passam por três estágios ao longo de sua evolução, processo denominado lei dos três estados.
O primeiro é o teológico, típico das comunidades ditas primitivas, em que as explicações da realidade se baseiam em forças sobrenaturais, deuses e demônios o segundo é o metafísico, estágio das sociedades que se estruturam em torno de grandes religiões, como a cristandade medieval ou as sociedades islâmicas, em que os seres sobrenaturais são substituídos por entidades abstratas, essências, idéias ou forças e, o último, o estágio positivo, no qual as sociedades se organizam com bases racionais e científicas, ou positivas, como são as sociedades industriais contemporâneas. Desenvolvendo argumentos sobre esse assunto, Comte escreveu no Curso de filosofia positiva:
O espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas investigações, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiro o método teológico, em seguida o método metafísico e, finalmente o método positivo.
No ESTADO TEOLÓGICO, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo.
No ESTADO METAFÍSICO, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente.
Enfim, no ESTADO POSITIVO, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na relação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.
No campo da moral, Comte critica a liberdade de consciência, afirmando que os homens devem se ater aos seus deveres e não aos seus direitos. “Os súditos devem obedecer e sujeitar-se aos seus governantes, colaborando para lia prosperidade, grandeza e realização da humanidade”, segundo as suas palavras.
As idéias de Comte tiveram grande aceitação, sobretudo nos meios empiristas, na França e em outras regiões do mundo sob influência da cultura francesa. Contudo, ao desenvolver o misticismo em suas teses, na última etapa de seu pensamento, Comte encontrou opositores; assim, ocorreu uma divisão entre os positivistas ortodoxos, que permaneceram concordantes com as idéias iniciais, expressas principalmente no CURSO DE FILOSOFIA POSITIVA; e os dissidentes, denominados simplesmente positivistas.
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